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Foto do escritorMargarida Gonçalves

À Conversa com Sofia Vermelho

Atualizado: 11 de dez. de 2022

Ensino de Arte, à Procura do ‘Ser’, Portugal e o Futuro que Reserva aos Seus artistas



No atelier (2022), por Guilherme Sota

Sofia Vermelho nasceu em Coimbra, em 2001 e frequenta o 4º ano da licenciatura em Artes Plásticas, ramo de pintura na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (FBAUP).

De forte influência psicanalítica, o seu trabalho versa acerca da identidade e dos seus limites através do auto-retrato, em gesto de análise e confronto consigo mesma. Recentemente, interessa-se também pela animalidade inerente à condição humana e pelo inconsciente instintivo. Conversamos com Sofia sobre quais as suas inspirações artísticas, o que a motivou a estudar no Porto e qual a sua visão sobre o estado da cultura e arte em Portugal.




Antes de mais, muito obrigada por teres aceitado este convite. Queria-te perguntar porque é que escolheste este espaço [Confeitaria do Bolhão] e o que é que a cidade do Porto significa para ti?

Boa pergunta, não estava à espera dessa. Acho que é um sítio que ainda conserva o que eu acho que seria o Porto Antigo. Ainda mantém a sua essência, vês idosos aqui sentados a pedirem café e a conviverem, nota-se que este espaço faz parte da rotina deles. Para além disso, a história que este espaço possa ter fascina-me e é confortável. Sabe a casa.


Falando um bocadinho mais do teu trabalho, queria-te perguntar, primeiramente, quais as tuas inspirações e referências?

sem título (2022), Sofia Vermelho

A minha primeira referência é a observação, a análise. A coisa que mais me caracteriza e ao meu trabalho é a análise e a consciência, encontrar ligações entre as coisas. Depois da análise, a psicanálise, a sensação. Em termos de artistas acho que Francis Bacon, obviamente, Schiele, Paula Rego. Depois Soutine e Lucien Freud, pela técnica, não tanto pela temática. Ah, e Picasso. Picasso é um génio.

Teatro é também uma grande inspiração para mim, gosto muito de pintura, mas acho que gosto ainda mais de teatro. Teatro pensando-o como uma pintura.

É um campo onde se pode unir os sentidos e as sensações todas, com pintura é um pouco difícil fazer isso. É sempre bidimensional, sempre visual, tem um sentido reservado, e o teatro não.

O teatro é menos limitado ainda que o cinema, consegue provocar-te ligações diretas com os teus sentidos e é isso que me interessa mais. Conseguir essas sinestesias, é isso que eu também tento com a pintura.

Acho que a arte não é uma coisa separada nem estanque, e torna-se inevitável, ou pelo menos deveria ser inevitável, um artista ter contacto com várias formas de arte.


Então, noutras formas de arte, como por exemplo a música, também tens referências?

Sim. Eu tenho 10 anos de violino clássico e a música clássica influência imenso. É um tipo de linguagem que eu entendo. Mas tenho uma relação de amor-ódio com a música, porque o ensino é muito duro e, apesar de gostar muito de música, lembra-me sempre aquela rigidez. Foi por isso que não continuei.


autorretrato (2022), Sofia Vermelho

Mas agora, a estudar pintura, sentes alguma rigidez no ensino?

Claro, acho que há sempre alguma rigidez, mas acho que isso também está implícito no ensino. Rigidez de regra, bases. A única coisa que há de rígido na pintura são os princípios base, que se percebe. Para tudo o que seja totalmente criativo tens de ter ferramentas e o ensino, aqui no Porto é criticado como muito académico e é um bocado esse o motivo de separação entre Lisboa e Porto, em termos de faculdades de Belas Artes.


Ponderaste ir para Lisboa?

Ponderei, mas ainda bem que escolhi o Porto, acho que a regra é muito importante. Algumas pessoas desmotivam logo à primeira por causa dessa espera em criar, porque tens de aprender as ferramentas

primeiro.

Acho que são sempre precisas essas ferramentas para depois conseguires fazer o que queres, e eu achei o Porto mais sensato por isso. O facto de não teres essas ferramentas teóricas e não saberes fazer bem as coisas leva um bocado a conceptualismos.


Relativamente ao teu trabalho, notei que a maioria partia da observação e autorretrato, bem como da exploração do corpo. Podias-me falar um bocadinho disso?

Fazem-me imensas vezes essa pergunta, quase que me esqueço que o meu trabalho são autorretratos, porque são o ponto de partida da análise de conceitos relacionados com a identidade. Um olhar para mim própria, um confrontar-me comigo mesma e tentar entender, não o que sou ‘eu’, mas o que é isto de ‘Ser’.


Sobre uma procura constante da tua identidade?

Não da minha identidade, mas da identidade em geral, o que é o ‘Ser’. Posso dar um exemplo, uma das minhas referências, Rembrandt que sempre se destacou pela insistência nos seus autorretratos, onde se foi perdendo a si próprio à medida que o tempo lhe vincava as rugas, mesmo que não estivesse ciente disso, estava a encontrar o ‘Ser’.


"Natureza Morta Sobre Espelho ou Narciso III" (2022), Sofia Vermelho

Tal como em Rembrandt, também notas uma evolução e amadurecimento do teu trabalho?

Sim, tento cada vez mais assumir a minha vulnerabilidade. Acho que é uma tentativa de ir perdendo essas máscaras, ser honesta. É uma espécie de escavação, até deixar de ser eu e encontrar isso que é o ‘Ser’, perdendo-me na tela, como Rembrandt. Penso que, eventualmente, caminho para o abstrato, muito lentamente. Se calhar, posso até dizer que o abstrato é o meu objetivo.

O facto de me pintar nua é logo uma aproximação à forma mais animalesca, à ‘carne’, a esse ponto em que já não sou eu. Não é um trabalho fácil.




Recentemente tiveste uma exposição, como correu? Foi a primeira vez que expuseste o teu trabalho?

Correu muito bem, foi uma exposição no ICBAS que é uma faculdade muito interessada em arte. Isto foi no contexto de uma revista, a Corino, em que eu participei e partilhei algumas pinturas. Estiveram muitas pessoas presentes e foi muito positivo, ter conseguido trazer para ali coisas que se calhar não se exploram muito naquela faculdade.


Há muito a ideia de que os jovens não se interessam por arte, nem por cultura, sentes isso?

Acho que não é bem isso, é mais uma questão de como trazer a arte aos jovens que não têm um contacto tão direto com ela. E também uma questão de acessibilidade, talvez se houvesse mais... se começasse a ser uma coisa mais normal, mais quantidade de concertos, exposições iria aproximar mais as pessoas. Em relação ao interesse.... Acho normal que Portugal não seja um país muito interessado em produção artística. Não temos grandes pintores a sair daqui, temos 5 ou 6 e esses são conhecidos porque foram para o estrangeiro e construíram o seu nome lá. Nós nunca fomos habituados historicamente a conviver com a arte, por isso é compreensível que pela nossa tradição não estejamos predispostos a isso. Não há essa cultura.


Vês-te, quando acabares o curso, a prosseguir uma carreira aqui?

Não, de todo. Não estou a dizer que não volte, mas tenho que ir. É um bocado difícil porque gosto muito de Portugal, e o ensino artístico aqui é bastante bom, mas falta tudo o resto, tudo o que depois é preciso. Não há aquele suporte, por aquilo que já falei. Então, fico sempre naquele misto de querer ficar aqui e contribuir para que isto também ande, mas não sei se tenho esse altruísmo. Sei que lá fora vou ser mais bem-sucedida e o meu trabalho vai ter outro valor.



"Natureza Morta Sobre Espelho ou Narciso I" (2029), Sofia Vermelho
"Natureza Morta Sobre Espelho ou Narciso III" (2022), Sofia Vermelho


















Para finalizar, vi que a tua exposição no ICBAS se chamava “Em Reflexo da Fome”, porquê esse nome?

Isto foi uma exposição que surgiu muito rápido. Foi a primeira vez que me aconteceu algo assim, normalmente não sou nada de não pensar e ‘fazer só’.

Este verão estive em Florença, e na Galeria Uffizi vi ‘Baco’ de Caravaggio. Naturezas mortas nunca me chamaram particularmente à atenção e, não sei... do nada, fez sentido. Quando cheguei ao atelier e mal pude pintar já vinha com a mão a tremer. Foi um diálogo com a pintura, um processo de tentar atingir algo que não sabia bem o que era.

A exposição é o reflexo dessa ‘fome’, dessa procura que eu tinha de ser sincera com a pintura. É sempre muito difícil estar a pintar e ouvir o que a pintura te está a dizer, porque há um certo ponto em que ela fica maior que tu e tens de ouvir o que ela te pede, não mandas em tudo.

Eu sempre tive um problema com isso, esse desejo de controlar e a pintura deixava de ter a sua voz. Sou eu, é um retrato, um reflexo, mas ainda estou a interpretar também.





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