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Foto do escritorLeonor Alhinho

Galerias Mira: um espaço de fotografia democrática


Fachada das galerias. Fornecida por Mira Galerias

As Galerias Mira, compostas por quatro espaços, dedicam-se à arte contemporânea e ao ativismo na comunidade. A fotografia é o foco principal, mas estes mais de 600m² dão lugar à escultura, literatura, artes performativas e tudo mais que se mostrar valioso o suficiente. Manuela Matos Monteiro, cofundadora do Mira, abriu as portas ao Penumbra, para que conhecêssemos melhor o espaço e a sua relação com os jovens.


Percorrendo a rua de Miraflor, é impossível não olhar para as Galerias Mira. O amarelo e vermelhos vivos sobressaem numa zona do Porto que só associamos ao cinzento- a Campanhã. No dia 24 de novembro de 2022, fomos recebidos por Manuela Matos Monteiro, cofundadora das Galerias Mira, que nos deu a conhecer melhor este espaço cultural inusitado.


Primeiro, importa perceber a diferença dos espaços que constituem as Galerias Mira. O Espaço MIRA, número 159 da Rua de Miraflor, é a primeira galeria. Dedicada à arte contemporânea e com direção de Arte de José Maia. Ocupa um edifício datado dos meados dos anos 1900, que servia para “armazenamento de vinho, fabrico de redes de pesca, material de escritório...” (como percebemos no website oficial do MIRA). O MIRA Fórum tem dois espaços, dedicados fundamentalmente à fotografia e são vizinhos do Espaço MIRA. Foi num destes espaços que nos sentámos à conversa com Manuela.

Em 2017, adquiriram uma loja abandonada e reabilitaram-na. Tornaram-na uma cork-box, ou seja, uma sala grande, com 80 m², toda forrada a cortiça. Assim nasceu o Mira Artes Performativas, dedicado à performance e à dança contemporânea. É neste espaço que, segundo Manuela, se sente mais presença jovem, pelo facto de terem uma natureza mais experimental e com um kit de apresentação “mais leve”. Assim, o projeto Mira totaliza três galerias, mas quatro espaços,


Como começou?

“Comprámos estes armazéns que têm mais de 100 anos, estavam abandonados, completamente em ruínas, era um projeto meu e do João, meu marido. Quando terminássemos o nosso ciclo de vida profissional, queríamos ter um projeto dedicado à fotografia, porque nós os dois também somos fotógrafos. Então encontrámos estes armazéns que eram muito acessíveis, muito baratos. Porque a Campanhã era olhada como um lugar onde uma galeria de arte seria um disparate (apesar de agora estar a mudar).

De facto, quando nós dissemos que vínhamos fazer a galeria para aqui, as pessoas achavam que nós estávamos malucos, porque isto não era sítio. Mas eu costumo dizer que não somos galeristas, somos ativistas sociais, gostamos de estar nos sítios e intervir nos sítios e ajudar a que os lugares fiquem melhores. Adquirimos este espaço em 2012 e a 5 de outubro de 2013 abrimos as galerias ao público, por isso, as galerias Mira têm 9 anos.”


De onde vem o gosto por fotografia?

“Eu e o João começamos a fazer fotografia com 16 ou 17 anos. Porque é uma expressão artística, a mais acessível. Agora está híper-acessível e acho isso muito bom. Antes era tudo a filme, a rolo e era muito caro. Sou muito a favor da democratização de todos os meios, da partilha, da participação. Não haja dúvidas que a fotografia analógica é caríssima, eu fiz durante muitos anos, tinha um laboratório em casa (o papel, os líquidos, o tempo, as câmaras, a película). Sou muito fã da massificação da fotografia. Porque os bons vêm à tona. E quando vejo alguns a dizer ‘Ah mas a fotografia antes era muito pensada, num mês só tirava 36 fotografias’ penso ‘Quem é que impede que com o telemóvel se tire apenas 36 fotografias mais pensadas?’ É uma opção pessoal que não é determinada pelo dinheiro.

Eu sou contra todas as formas em que a situação financeira é o critério. Há fotografias de telemóvel nas bienais de fotografia. Eu já tive fotografias na bienal de Berlim e nunca me perguntaram se era de telemóvel ou analógica ou de camara digital. O que determina um bom cozinhado são os tachos, a placa ou o fogão? É o cozinheiro e a forma como mexe os ingredientes. Na fotografia, os ingredientes são a história de vida, a cultura. É muito importante os jovens lerem muito, verem muitos filmes, exposições, fotografias, muitas obras de arte. É assim que educam o olhar e com o olhar educado é mais fácil criar. Sou a favor de tudo o que não tenha como critério o dinheiro. Quando tem, está mal, não é justo.”


Acha que ainda há esse puritanismo no mundo da fotografia?

“Cada vez menos. Quando apareceu a fotografia, os pintores disseram que era o fim da arte, o fim da pintura. Quando apareceu a Kodak 35mm, disseram que era o fim da fotografia como a conheciam, era o fim da fotografia. Quando veio o digital, aí a fotografia ia morrer mesmo. Quando veio o mobile, a mesma história. Eu sou defensora do mobile, precisamente pela democratização e por reagir ao conservadorismo dos meus parceiros de fotografia. A verdade é que em todas estas transições, quando aparece uma mudança, quem está estabelecido sente-se ameaçado. ‘Então a fotografia de um palerma qualquer com um telemóvel é tão válida como a minha? Fiz não sei quantos cursos, tenho uma câmara caríssima... ‘. Isto custa a admitir. Os argumentos são todos os mesmos. A nova tecnologia anuncia o fim da expressão fotográfica- é uma grande aldrabice. É dar tempo.”



O interior. Fotografias fornecidas por Mira Galerias


No início começou com apenas duas pessoas. E hoje? Quantas trabalham aqui?

“No início estava eu e o João Lafuente, o meu marido. Depois tínhamos uma pessoa a meio tempo. Neste momento temos mais uma pessoa e os amigos que nos apoiam. Sempre que temos uma montagem ou um evento mais trabalhoso, pedimos ajuda aos amigos que nos vêm ajudar quando precisamos- chamamos-lhes Mirones. Continuamos a ser muito poucos, porque isto é uma iniciativa privada. Nós não temos nenhuma avença mensal, não temos nenhum apoio mensal. Muitas vezes o que fazemos é concorrer a determinados projetos, às vezes ficamos, outras vezes, a maior parte delas, não ficamos abrangidos. Muitas vezes o apoio do projeto nem dá para suportar as despesas base do Mira.”


O Espaço Mira é dedicado à arte contemporânea. Explique-nos aquilo que por lá passa. Que formas de arte abrange?

“O programa inicial foi tentar perceber que lugar é que a fotografia tem na arte em geral, na arte contemporânea em geral. Então as primeiras exposições que ocorreram eram, por exemplo, ‘A fotografia e a arquitetura’, ‘A fotografia e a escultura’, ‘A fotografia e a performance’, ‘A fotografia e o desenho´. Costumamos dizer que é a fotografia expandida, porque por trás das outras artes e das outras expressões de artes visuais, a fotografia está sempre na base.

O Mira Fórum é fotografia propriamente dita. Dentro da fotografia, tivemos uma grande preocupação, que era fazer uma abordagem o mais abrangente possível. Temos duas open calls internacionais, uma de fotografia pinhole e outra de fotografia mobile. No fundo, a pinhole é a ausência total de tecnologia e a mobile é a tecnologia pura e dura, sem lentes analógicas. Entre estes dois níveis de fotografia, tudo o que está no meio, é bem acolhido nas nossas galerias. Nós valorizamos a fotografia enquanto produto, enquanto expressão de autores e não o dispositivo que usam.”


E qual o critério para expor na galeria?

“Temos tido uma atitude: não é o currículo da pessoa que faz com que ela exponha aqui. Nós temos desde nomes consagradíssimos, como o Silvestre Pestana. a jovens de 20 e poucos anos. Acolhemos, por exemplo, os trabalhos finais dos alunos da ESAP, da Lusófona, do IPF. Temos uma atitude de valorizar apenas o critério de se a produção tem um valor estético e artístico. Nesse sentido, nós temos uma grande abertura para os trabalhos dos jovens, desde que eles tenham qualidade. Já aconteceu descobrirmos, no Facebook, pessoas que têm uma obra que nos suscita interesse e que fizeram aqui residências artísticas e depois exposições e que, neste momento, já têm nome no mundo da arte. Portanto, há essa nossa atitude de grande abertura e que também se nota relativamente à comunidade.”


Estão abertos à comunidade. Mas a comunidade está aberta ao espaço Mira?

“Estamos perfeitamente integrados na comunidade. A rua Miraflor é uma rua muito pobre, com oito ilhas e considerámos que nós é que tínhamos que ser aceites aqui. Isso tem acontecido e até temos projetos com a comunidade, quer com os moradores, quer com uma associação recreativa (Associação Malmequeres Noêda), quer com o albergue do Porto aqui em frente. Portanto, também temos um trabalho com os sem-abrigo. Começaram a frequentar aqui as exposições, sempre com muito sucesso. Começámos agora a desenvolver um trabalho conjunto. Fizeram um workshop de fotografia pinhole e essas fotografias estão agora expostas (numa exposição de fotografias de pessoas em condição de sem abrigo e com artistas portugueses e estrangeiros), numa galeria nova no albergue do Porto, em Mártires da Liberdade. Tem sido um trajeto muito bonito com os albergues do Porto. A nossa atitude é sempre de acolhimento, de inclusão, de disponibilidade para aceitar a diversidade, seja ela etária, de expressões, social. A diversidade é um valor maior aqui.”


Passando para os jovens, para além de serem abertos a qualquer tipo de projeto desde que tenha qualidade, de que forma tentam alcançar os jovens em particular?

“É muito difícil numa cidade uma instituição dirigir-se aos jovens. O que fazemos é o seguinte: uma grande abertura a todo o tipo de visitas que nos solicitam, fazemos visitas orientadas muito cuidadosas, para motivar os jovens para a expressão artística e para a disponibilidade que devem ter para receberem e tomarem a iniciativa deles próprios, fazerem as coisas. Existe muito a ideia que só com dinheiro e com recursos é que se pode fazer coisas e não é verdade. É possível com pouquíssimos recursos desenvolverem-se práticas extremamente valiosas. E, portanto, temos essa preocupação pedagógica. Obviamente, quando temos uma exposição em que o artista é mais jovem, vêm mais jovens. Porque o artista convoca a sua comunidade familiar e de interações. É fundamentalmente isso.

Recebemos todos os dias projetos para expor, para fazer uma apresentação. Por exemplo, temos muitas apresentações de livros que trazem um público muito heterogéneo. Não há uma dinâmica unilateral, isso não acontece. Por outro lado, sempre estivemos muito presentes nas redes sociais e com a pandemia alargou-se essa presença. Durante a pandemia fazíamos exposições virtuais e ficou uma prática até hoje- ter conversas virtuais sobre fotografia todas as semanas. Todas as semanas temos uma sessão zoom com um fotografo e alguns são muito jovens mesmo, ainda estão a estudar. Portanto, damos muito valor a esse público.”


O interior. Fotografia fornecida por Mira Galerias

Um jovem que queira expor ou fazer uma apresentação de um livro aqui o que têm que fazer?

“Manda um e-mail para miraforum@miragalerias.net e apresenta a sua proposta. Nós analisamos, vemos se se enquadra dentro da conceção do Mira e sim, com isto, temos tido bons seguimentos. Mas nós temos uma agenda muito apertada. Já temos 2023 todo fechado. Só que muitas vezes os jovens não ousam ou, pelo menos, não são instados a ousar. Não arriscam a apresentar-se. O que importa é que haja estruturas disponíveis para os acolher.”


Onde acha que recai essa culpa de os jovens não serem ousados?

“Primeiro, é próprio de quem está a começar. Ser-se ousado é bom, mas há toda uma descrição que eu compreendo, o ‘eu não sou suficientemente bom’. Isso não é mau, porque a pior coisa que pode acontecer é alguém com 20 anos dizer ‘Opa eu sou um máximo, sou melhor que toda a gente de todas as idades e não tenho nada a aprender’. É um processo. Sempre que estudamos história da arte e o desenvolvimento de um artista, vemos que os primeiros passos são cheios de dúvida e com menos confiança.

A pior coisa que pode acontecer é haver muitas certezas aos 20 anos, não compete nem convém. Mas as escolas têm que ter um papel. Quando as escolas vêm fazer uma visita, eu celebro sempre os professores. A sala de aula é um espaço protegido, onde a autoridade do professor está intacta. Quando um professor traz os alunos para o campo, primeiro está a ter muito mais trabalho, está mais sujeito a sobressaltos, mas está a dar uma coisa extraordinária aos alunos, que é o mundo. E muitas vezes os professores não dão mundo. Lembro-me quando era aluna, as grandes recordações e grandes aprendizagens são das poucas saídas que fizemos. Portanto, sempre que há professores que aqui vêm, eu celebro-os. As coisas passam muito pela escola, a escola é grande construtora de futuros.


O que é que o MIRA ambiciona agora?

“Manter o projeto, porque é um projeto caro. Isto não é uma galeria comercial. Para além disso, empenharmo-nos cada vez mais na comunidade, quer na comunidade artística, quer na comunidade em que estamos inseridos, aqui na Campanhã. As pessoas dizem muito que a Campanhã começou a ter outra imagem, por causa da galeria e do investimento da Câmara Municipal nesta zona, e muito bem. As pessoas começaram a ver que a Campanhã também podia ser um lugar onde a Arte pode morar e que não é só legítimo, mas é altamente aconselhável. E nesse sentido, acho que já temos um papel. Não é por acaso que tivemos a medalha de Ouro de Mérito Cultural da Câmara Municipal do Porto. Foi pelo papel que desempenhámos, sobretudo nesta zona da cidade.”



Para saber mais sobre as Galerias MIRA:


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Instagram:


E-mail:

miraforum@miragalerias.net

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