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À Conversa com Eduarda Ramos

  • Foto do escritor: Leonor Alhinho
    Leonor Alhinho
  • 11 de dez. de 2022
  • 10 min de leitura

Atualizado: 14 de dez. de 2022

Eduarda Ramos, é maquilhadora, tem 23 anos e vive em Marco de Canaveses, no distrito do Porto. Este ano concluiu a licenciatura em Artes Plásticas, na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. Duda Ramos, como é mais conhecida nas redes sociais, juntou-se a nós numa conversa sobre maquilhagem como forma de arte, partilha de conteúdos nas redes sociais e saúde mental.


Como começou o teu percurso na maquilhagem? E nas redes sociais?

Tenho ideia que sempre me interessei por maquilhagem. Do que me lembro, fui das primeiras raparigas da minha turma a começar a ir para a escola maquilhada. Mas nessa altura ainda não me tinha apercebido do gosto que tinha. No décimo ou décimo primeiro ano, comecei a fazer algumas experiências. Cheguei a maquilhar-me de Avatar, de uma personagem de comic books do género do Andy Warhol.

Retirada do Instagram (@imeduardaramos) e fornecida pela própria

Em 2017 ou 2018, não tenho a certeza, na altura do Halloween decidi experimentar transformar-me no Venom, não só com maquilhagem, mas com SFX, com cola branca e coisas assim. Aí percebi que era algo que gostava. Na altura andava na escola, nem sequer pensei na possibilidade de fazer algo mais com isso. Depois veio a pandemia, comecei a dar-me com pessoas que gostavam muito de maquilhagem ou eram maquilhadoras. Começámos a partilhar esse gosto e eu fui experimentando e fazendo. A primeira vez que tentei foi ao desenhar umas montanhas na testa, por causa de uma trend que havia no Youtube, com as pinturas do Bob Ross. Partilhei nas redes sociais, recebi um feedback ótimo, adorei o

processo. A partir daí, comecei a fazer cada vez mais, comecei a investir mais em maquilhagem, comecei a publicar mais, comecei a conseguir trabalhar com marcas e a conhecer mais pessoas na área e cheguei ao ponto em que agora estou.


Tens alguma inspiração na área?

Sim, tenho a Abby Roberts (no Instagram @abbyroberts) e a irmã dela, Charlotte Roberts (no Instagram @charlotteroberts). Na verdade, tenho várias. São pessoas que vou encontrando no TikTok, pessoas que vou encontrando no Instagram.

Há uma maquilhadora muito famosa, que já maquilhou pessoas para a Met Gala (no Instagram @mimles), que faz maquilhagens do género que eu gosto, já veio cá a Portugal fazer um workshop, mas eu não tive a possibilidade de ir.


Como defines arte? Consideras aquilo que fazes uma forma de arte?

É sempre tão difícil responder ao “Como defines arte?” ou ao “O que é que achas que a arte é?”. Nunca sei o que responder a isso, é extremamente difícil pôr em palavras. Isso até porque eu sou muito mais de criar algo visual do que o que sou expressiva por palavras (risos). Independentemente disso, considero aquilo que faço arte e aquilo que maquilhadores fazem como uma forma de arte. Porque te estás a transformar em algo completamente diferente, estás a criar uma realidade completamente diferente, estás a desenhar em ti própria ao contrário e basicamente a tornares-te a ti mesma numa pintura. Acho que é tão válido e tão artístico como uma pintura num museu. Não vou dizer que é mais difícil, porque se calhar não é, mas às vezes parece.

Retirada do Instagram (@imeduardaramos) e fornecida pela própria

Achas que, algum dia, a maquilhagem vai ser considerada uniformemente como um género artístico?

Acho que tem vindo a ser mais, as pessoas já conseguiram aceitar mais. Há maquilhadores a conseguirem mostrar que, realmente, é arte. Mas, pelo menos em Portugal, sinto que ainda é uma pequena quantidade de pessoas. Porém, já reparei que as pessoas à minha volta, familiares, conhecidos, amigos, começaram a dar mais valor à maquilhagem e a tudo o que está envolvido. Isto aconteceu a partir do momento em que comecei a partilhar e comecei a falar sobre isso, comecei a mostrar como é que faço, a gravar vídeos enquanto me maquilho (do processo), etc. Espero chegar a um ponto, no meu percurso artístico, em que possa, não digo ir à televisão, mas em que possa ganhar uma plataforma maior e mostrar a cada vez mais pessoas que a maquilhagem é arte e ver se há cada vez mais pessoas a mudar de ideias, à semelhança do que as pessoas que me rodeiam fizeram.


Consideras-te reconhecida enquanto artista?

É muito difícil responder a essa pergunta porque, trabalhando com redes sociais, aquilo que eu vejo são números, não consigo ter noção. Há, por exemplo, publicações que têm dois mil likes e eu não tenho bem noção daquilo que são duas mil pessoas reais a ver o que eu faço. Quer dizer, na realidade, são mais, porque há sempre mais pessoas a ver, que não interagem, e eu nunca tenho realmente noção do quão ou não reconhecida sou como artista, como uma personalidade ou uma personagem nas redes sociais.

No entanto, de vez em quando, vêm ter comigo e elogiam-me ou mandam mensagem e é nesses momentos que eu fico “ok, as pessoas veem o meu trabalho, realmente há pessoas do outro lado a ver o meu trabalho e que gostam”. Aí sinto que sou reconhecida. Também há outras alturas em que acontecem coisas fixes, como quando a Vogue partilhou uma maquilhagem minha no perfil e disse que eu era um dos 10 maquilhadores a conhecer para no modo de Halloween. Em alturas dessas, em alturas em que sou reconhecida no meio de outros artistas que admiro, é aí que me sinto realmente reconhecida como artista, porque são pessoas que eu vejo, admiro e são as minhas inspirações.


Retirada do Instagram (@imeduardaramos) e fornecida pela própria


E ao nível do apoio dos teus familiares e amigos?

A este nível todos dão muito apoio, estão constantemente a perguntar por mais. Às vezes quando me maquilho, estou só de pijama, com metade da cara pintada de palhaço e os meus pais agem como se fosse só “ah mais um dia normal na vida da Eduarda”. Mas sim, perguntam constantemente quando é que faço mais, dizem-me para partilhar com toda a gente, dizem-me para enviar as minhas maquilhagens para o programa do Goucha. Acho que apoiar-me mais seria impossível, eles gostam muito daquilo que eu faço e tenho uma boa família e uns bons amigos nesse nível.


Guia-nos pelo processo de uma maquilhagem. De onde vêm as ideias e quanto tempo demoras, por exemplo.

As inspirações podem ser literalmente qualquer coisa que eu veja no meu quotidiano. Já aconteceu serem pinturas, já aconteceu serem objetos, padrões, ou então pegar em maquilhagens que outras pessoas fizeram e torná-las minhas, mudando algum aspeto, adaptando qualquer coisa ou, simplesmente, recriar. Apenas recriar às vezes também é fixe.

Ao nível do tempo, nunca demoro menos de uma hora e meia ou duas horas e pode demorar dias. Já aconteceu fazer um body painting que demorou quatro dias. Não literalmente quatro dias inteiros a trabalhar, porque isso é impossível, mas quatro dias em que trabalhava muitas horas de dia e chegava a um ponto em que já estava demasiado cansada e tinha que dormir e voltava no dia a seguir. Como era no peito e eu consigo dormir de barriga para cima, é fácil e a maquilhagem não se estraga, nem sai. Depois é fazer todo um set-up de câmara fotográfica, luzes, para tirar a fotografia ideal, do ângulo ideal, para a maquilhagem ter a ilusão que eu pretendo que tenha.


Passando mais para a parte do trabalho nas redes sociais. Tendo em conta o tempo que demoras a fazer uma maquilhagem, sentes que isso é reconhecido e recompensado nas redes sociais? Por serem algo tão rápido, que não reflete bem o processo.

Não sinto que o meu trabalho seja reduzido a uma fotografia ou a um vídeo. Nunca pensei muito sobre isso, mas acho que não, porque o facto de depois as pessoas verem a fotografia ou o vídeo apenas, faz com que eu tenha um bocadinho mais de controlo. Ou seja, eu é que controlo o ângulo e aquilo que eles vão ver e a forma como vão ver. Por isso apesar de ser uma parte muito pequena do trabalho que está por trás, faz-me sentir em maior controlo.

Retirada do Instagram (@imeduardaramos) e fornecida pela própria

Quais são as tuas maiores dificuldades?

Provavelmente, a maior que dificuldade que tive até agora foi conseguir fazer maquilhagens e criar coisas novas, em alturas em que não estava tão bem ao nível da minha saúde mental. Cheguei ao ponto de ter passado uns oito, nove, dez meses sem fazer absolutamente nada. Depois disso decidi tentar, porque, quanto mais tempo passava, menos vontade tinha, menos confiança tinha, menos motivação tinha, menos criatividade. Era cada vez mais difícil tentar voltar.

Quando tentei voltar, decidi fazer uma maquilhagem de Halloween, correu pessimamente mal, deitou-me ainda mais a baixo e simplesmente desisti. Depois eventualmente consegui fazer mais uma, que até correu bem, cheguei a publicar nas redes sociais. Por isso, a minha maior dificuldade é mesmo voltar a criar passados grandes períodos de tempo sem fazer nada. Porque mesmo tendo eu feito esta última maquilhagem, estou novamente numa fase de não ter motivação ou energia. Ainda não voltei ao ritmo. Ás vezes é um bocado difícil voltar ao ritmo.


Há algum episódio que te tenha marcado pela negativa?

Quanto aos comentários negativos, nessa parte tenho tido sorte. Nunca levei com comentários negativos ao nível da maquilhagem. Nunca recebi um comentário negativo sobre o meu trabalho, pelo menos a mim. A mim nunca me disseram nada negativo, se enviam as minhas publicações e comentam com outras pessoas algo negativo, isso eu não sei. A única altura em que recebi comentários negativos, nem sequer teve a ver com maquilhagem em si, mas foi quando eu fiz um body painting de quatro dias. As pessoas começaram a criticar e a insinuar que eu não tomava banho e que era uma porca. Houve pessoas que ficaram ofendidas com esse aspeto, então tive que levar com alguns comentários em relação a isso, mas não me incomodou. Se fosse em relação àquilo que tinha feito, em relação à maquilhagem, isso podia deixar-me um bocado mais triste, mas como não foi, foi super fácil de ignorar e não levei a sério. Não vou estar a preocupar-me com comentários desses.


Retirada do Instagram (@imeduardaramos) e fornecida pela própria


Vês as redes sociais como uma plataforma de lançamento para algo maior ou é o objetivo final?

Acho que para já as redes sociais são só uma plataforma de lançamento. Porque, primeiro, não me imagino a fazer apenas uma coisa. Não consigo ter apenas um foco e neste momento a maquilhagem nem é um deles. Estou a tentar explorar outras áreas. Por isso sim, as redes sociais são só uma plataforma de lançamento. Gostava de ir para a televisão, mas não no sentido de usar isto e acabar por ser atriz ou assim.

Aquilo que gostava que acontecesse era conseguir levar a maquilhagem para a televisão, conseguir levar talentos da área para a televisão. Por acaso, isto é uma espécie de segredo, mas estou a tentar desenvolver algo que torne isso possível.

Por isso, sim, definitivamente as redes sociais são só uma plataforma de lançamento, gostava de ir para a televisão, gostava de ficar no backstage e fazer maquilhagens para programas. Não maquilhagem social ou “normal”, mas SFX, a maquilhagem que gosto de fazer. Também tenho outras áreas que quero desenvolver. Por exemplo, para o próximo mês vou tirar um workshop de tatuagens e também faço unhas. As redes sociais não vão ser um foco final, nem acho que sejam neste momento.


As redes sociais vieram tornar tudo mais imediato. Como é que isso afeta o teu trabalho? Sentes pressão para publicar regularmente?

Sim e não. Houve uma altura em que estava super preocupada com isso. Com o estar sempre a criar e a publicar. Mas depois ia ver os meus trabalhos e não gostava, não tinham a qualidade que podiam ter. Deixei de me preocupar com isso. Crio e faço quando consigo. Não vou comprometer a qualidade potencial dos meus trabalhos só porque as redes sociais assim o exigem. Se funcionar, funcionou e se não funcionar, espero conseguir arranjar uma solução para isso.


Ainda sobre a partilha do teu trabalho nas redes sociais. É algo que gostas mesmo de fazer ou que sentes que, hoje em dia, tens que fazer, caso contrário ficarias “para trás”?

É algo que gosto mesmo de fazer. Simplesmente, estou numa altura em que preciso de fazer uma pausa porque não consigo ser tão consistente como era antes. Preciso de pausas maiores e não consigo estar constantemente a criar. Não estou com a energia para isso. Há alturas em que penso “Oh meu deus, se continuar a não criar e a não publicar nada as pessoas vão esquecer-se de mim”.

Ao mesmo tempo, também penso que as pessoas podem afastar-se e realmente esquecerem-se de mim durante um período, mas tenho confiança no meu trabalho ao ponto de achar que, quando voltar a publicar de forma mais consistente, consigo voltar a trazer pessoas para a minha página. Espero estar certa e não estar a ter confiança a mais e espero ter o que é preciso para conseguir trazer pessoas caso elas vão embora. Acho que nesta altura não estou muito preocupada com o “ficar para trás”, porque sei que se estivesse como estou e estivesse a criar ainda assim não ia ter a mesma qualidade que eu sei que teria se estivesse no mindset correto e com a energia certa.


Retirada do Instagram (@imeduardaramos) e fornecida pela própria


A nível financeiro, é algo que já te dá algum retorno? Ou o retorno é somente a atenção para a tua arte?

Dá algum. Nada assim por aí além. A única coisa que eu recebo é quando, de vez em quando, faço publicidades para marcas. É apenas, para já, a única forma com que consigo dinheiro com as redes sociais. Mas só mesmo de vez em quando, e nada por aí além. Até porque não ando assim tão ativa, não chamo assim tanto à atenção das marcas e como não me considero influencer ou content creator, porque não sou tão consistente nas redes sociais ultimamente, é normal que não tenha tantas propostas. Mas sim, vem algum dinheiro, de vez em quando, com publicidade a marcas que uso.

Algum conselho para jovens artistas que queiram começar a partilhar o seu trabalho nas redes sociais?

Deixo o conselho mais cliché de sempre, mas é verdade e foi isso que pensei quando comecei. No início, obviamente tinha vergonha, principalmente porque sempre fui uma pessoa muito no seu cantinho. Sempre tive vergonha de publicar as coisas e de começar a agir como influencer. Principalmente por causa da perspetiva que as pessoas têm de influencers e não queria estar a “armar-me” em influencer e que as pessoas pensassem que eu era só mais uma a tentar a sorte, até porque não foi esse o caso.

Resumindo, o conselho é: faz o que queres, ponto. Até porque as pessoas provavelmente já vão falar de qualquer maneira, está na natureza delas. Mais vale aproveitar e fazer aquilo que gostas e ignorar isso, e foi o que eu fiz e é isso que tento sempre pensar. Principalmente agora outra vez, porque estou tão afastada que esse medo e vergonha voltaram. É isto que penso e aconselho. E é ir fazendo, ir fazendo porque se as coisas estiverem a correr mal a nível de qualidade de trabalho ou acharem que não é suficiente, é só ir fazendo. Ao fazer e ao tentar e ao errar é que as coisas vão melhorar e vão começar a ficar com a qualidade que queremos. Acho que é isso.

E, obviamente, se alguma vez levarem com um comentário negativo, é tentar ignorar ao máximo. A menos que seja construtivo em relação ao trabalho e seja uma pessoa que genuinamente está a tentar ajudar e a dizer que aquilo estaria melhor se fosse de outra forma. Caso contrário, não interessa para absolutamente nada.


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