O ilustrador Diogo Paixão nasceu em 1992. Desde a sua infância, sentiu-se atraído pela ilustração e rapidamente começou a explorar a sua vertente digital, desde o Paint até a outras plataformas mais profissionais.
De momento, trabalha como ilustrador e artista 3D, onde o digital e o tradicional se influenciam um ao outro.
Introduz-te, fala um pouco sobre o que tu fazes.
Sou o Diogo, tenho 30 anos. Obrigado por me incluírem nos jovens artistas (risos). Este ano foi um ano de mudança, em que me despedi do escritório onde estava e passei a dedicar-me mais à minha ilustração. Como tenho de manter um trabalho que tenha um income estável, faço, para além da ilustração, visualizações 3D. Tenho dividido o meu tempo entre a ilustração e a visualização 3D. Também comecei a aprender a tatuar este ano, por isso estou a tentar explorar o máximo de possibilidades - e, para já, está a correr bem.
Achas que, no que toca aos temas que já exploras na tua ilustração, vais explorá-los na tatuagem? As duas artes estão interligadas para ti?
Para já, ainda não, mas gostava que sim. Ainda estou a aprender a técnica do que propriamente a criar o material para tatuar. Mas sim, a minha esperança é conseguir ter um trabalho coerente entre as duas coisas. Uma coisa que acontece muito na minha ilustração é que consigo ter coisas muito diferentes e, às vezes, não parecerem trabalhos meus - é uma coisa que não me faz confusão nenhuma. Mas acho que gostava de não ter mais uma coisa diferente na tatuagem e conseguir transpor algo da ilustração para isso.
Também consideras que, em comparação com a ilustração, a tatuagem também tem cada vez mais espaço dentro da cultura jovem? Ouço, muitas vezes, relatos de profissionais da área a afirmar que os apoios são escassos e que, consequentemente, a segurança fica em risco.
Pois, eu ainda não estou muito dentro do mundo da tatuagem. O que sei é que é uma profissão que não está regulada de maneira nenhuma, não tem carteira profissional. Sei que há pessoas a tentar que isso aconteça, mas sim, claro que isso traz uma instabilidade maior. Mesmo a ilustração não é um meio muito estável. Tenho sentido, nestes últimos dois anos (e principalmente neste), menos procura por prints, pelos calendários do ano passado, por exemplo. As pessoas estão à procura de coisas mais pequenas: postais e stickers. Acho que a tatuagem se pode encaixar bem, porque, apesar de tudo, é algo permanente e que, apesar de não ser fazer uma todos os dias ou todos os meses, acaba por ser um investimento que têm menos problema em fazer.
Estive a explorar os teus trabalhos sobre o luto e achei-os extremamente interessantes. Acreditas que a arte é uma forma de tentar preservar a memória de alguém e tentá-la manter viva?
Sim, a forma mais óbvia e direta é através de um retrato ou de uma fotografia, mas depois tem o outro lado que eu tentei explorar no trabalho com a Inês [Cortez]: como ilustrar sentimentos ou memórias.
O objetivo foi ilustrar uma experiência que toda a gente acaba por passar. Ilustrar um dia quente em que fomos à praia com um amigo, por exemplo. É, um pouco, ilustrar o invisível e acho que esse foi o desafio. Mesmo que não seja uma memória tua, serve muito para preservar algo que a evoque.
Nos teus trabalhos, exploras muito a masculinidade e como quebrar os estereótipos normalmente associados à figura masculina.
Sim, foi uma coisa que, desde sempre, senti que queria explorar. O meu tio é pintor e depois também acabei por estudar arte - na vertente de arquitetura - e senti sempre que havia muita representação da mulher, enquanto o mesmo não acontecia com os corpos masculinos. Acabei por reparar nessa falta e comecei a dedicar-me mais ao desenho por volta da mesma altura em que comecei a explorar a minha sexualidade. Quase que usei a ilustração como uma muleta para me conhecer melhor. Comecei a desenhar amigos, comecei a desenhar-me a mim, procurando sempre desconstruir a masculinidade como é normalmente conhecida. O que é um corpo masculino? É forte? Tem músculo? Os corpos são macios, têm curvas, têm pelos onde os pelos nascem, têm gordura onde a gordura aparece? Aquilo que eu tento é ir buscar partes do meu corpo e desenhar o corpo masculino nas suas muitas formas, seja cis, trans, o que for. Quanto mais representação houver, melhor - e digo o mesmo com o corpo feminino, que tentei explorar melhor numa exposição que tive este ano.
Até acabaste por já tocar numa questão que queria referir. Como é que, através da tua arte, exploras estes temas e te dás a conhecer a ti próprio?
Em setembro, tive uma exposição numa galeria no Porto, em que me pediram para fazer uma submissão à volta do “amor próprio” e da relação com o nosso corpo. Já fiz tanto sobre mim e não queria voltar a fazer o mesmo. Então, pedi a amigos meus para escrever sobre a experiência que têm com os seus corpos e trabalhei sobre esses textos. Ajudou-me muito a desenhar não só os corpos dos outros, mas também as suas experiências. Ajudou-me também a trabalhar a imagem que tenho da minha forma física. Desenhar um corpo para aceitar o meu corpo é toda uma viagem, mesmo que não me esteja a desenhar a mim.
Quando te falta inspiração, onde é que a encontras?
Depende do objetivo da ilustração - se é algo que partilho de mim, se é o caso da exposição ou se é uma comissão. Às vezes, a inspiração não aparece e, outras vezes, vou ao Pinterest e ao Instagram e procuro referências. Posso ler um texto qualquer e acabo por encontrá-la, posso estar na rua e vejo qualquer coisa ou alguém que me inspire. Varia muito, mas acontece muitas vezes não ter inspiração, sobretudo quando não me estou a dedicar a tempo inteiro à ilustração. Há temas que eu acabo por tocar sempre no meu trabalho, como a mitologia grega, que acaba por transpirar sempre para os meus desenhos, e a religião. É o caso dos calendários, por exemplo. Há sempre o tema mais central do corpo masculino, mas que depois acaba por ir para muitos sítios diferentes.
Na tua arte, impões limites ou sentes-te limitado de alguma forma?
Conscientemente, não imponho limites, mas sei que eles existem e há quase uma autossabotagem. Tenho muito trabalho inacabado, porque ou me farto ou não gosto. Eu trabalho muito com arte digital e que, supostamente, tens infinitas possibilidades. Ainda assim, senti que me estava a limitar bastante. Então, este ano, tentei voltar ao papel e lápis. Tem ajudado, pelo menos quando estou bloqueado em frente ao computador a desenhar. Depois também há as limitações que não sou eu que imponho. O tempo é uma delas. Como tenho de dividir [a ilustração] com o meu trabalho, acabo por passar semanas sem pegar na ilustração. A minha maior limitação é não me saber organizar bem o suficiente para conseguir manter um fluxo de trabalho mais contínuo.
Preferes então um modelo de trabalho mais híbrido, conjugando a arte digital com a arte tradicional?
Tento sempre equilibrar. Se calhar, o produto final acaba por ser sempre digital, mas tem sempre uma componente mais manual e tangível. Acabo por conseguir conjugar as duas partes. Mesmo que não use materiais analógicos, tento sempre ir buscar referências e fazer a ilustração digitalmente. Dão sempre um toque mais humano ao produto final e há artistas que fazem isso muito bem (o Francisco Fonseca, por exemplo). O futuro da arte é cada vez mais digital, mesmo por questões económicas e de sustentabilidade. A partir do momento em que conseguirmos conjugar as duas partes de forma saudável, só há espaço para crescer. Se não for por mais nada, então até para acabar com aquele tabu de Belas Artes.
Mesmo essa questão daquilo que se considera ou não como arte acaba por ser um limite para muitos artistas, não?
Era um limite para mim. Inicialmente, sentia-me completamente de fora da comunidade, porque não estudei em Belas Artes. Saí de Arquitetura e comecei a fazer isto para o Instagram. Por isso, foi preciso um esforço meu para me dar a conhecer e para ficar a saber de outros artistas, porque senti que não tinha essa rede inicial. O que acontece, infelizmente, é que são os artistas que vendem [as suas peças] a outros artistas, havendo pouca gente fora do meio que dá o mesmo valor. É esse tipo de trabalho que faço (e que muitos outros fazem), e que não é o que encontras numa galeria em Miguel Bombarda. Acho que, ainda assim, a comunidade está a crescer e já começa a passar para fora.
Reparei nas tuas ilustrações do Orville Peck e da Aldous Harding. São artistas que admiras?
São ótimos exemplos daquilo que gosto num artista. Conseguem ser multidisciplinares e, para além da música, são excelentes artistas visuais. Sem isso, se calhar não estavam onde estão. É muito bom relacionares a música com a roupa que vestes e há artistas que fazem isso muito bem. Em Portugal, tens o caso da Cláudia Pascoal, que faz um trabalho excelente, a Surma também. Ter essa versatilidade é o que torna um artista completo e foi também isso que me deu a vontade de os desenhar.
Voltando um pouco aos calendários, tens a religião como um tema que pretendes explorar de novo no futuro, até mesmo na tua entrada no mundo da tatuagem?
É possível. Eu gostei muito de fazer essas ilustrações e acabei por explorar algo que ainda não tinha feito. Já tinha tocado em temas religiosos, mas nunca tinha desenhado os santos. Acaba por ser uma versão mais profana deles e gostei bastante do resultado final. Acho que aqui consigo juntar as minhas duas expressões na ilustração e criar um produto que sinto que é meu, mesmo que seja um tema completamente novo no meu trabalho. Por isso, é algo que poderei explorar mais.
Consideras que a cultura jovem e, por extensão, a cultura LGBTQ+ são cada vez mais representadas e aceites?
Acho que sim, cada vez mais existe essa presença e sobretudo nas redes sociais, até mais do que na televisão ou no cinema - pelo menos, em Portugal. Lá fora, a cultura jovem e a cultura LGBT já é quase uma necessidade em todas as séries e filmes que saem. Em Portugal, sinto que ainda estamos um pouco atrás. Há algumas tentativas - acho que a RTP faz um esforço muito positivo. Nas redes sociais, a presença é forte, porque somos os produtores de conteúdo, por isso é normal que sejamos melhor aceites. Já começam a aparecer jovens comentadores, jovens atores nas telenovelas e acho que, a pouco e pouco, estamos a ir num bom caminho.
Para consultar o trabalho de Diogo Paixão, deixamos os links para a sua loja, bem como para o seu Instagram.
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