top of page
Foto do escritorInês Cortez

Ativistas climáticos e arte: por que nos incomoda tanto?


No dia 14 de outubro na National Gallery em Londres duas ativistas climáticas do grupo Just Stop Oil atiraram duas latas de sopa sobre “Sunflowers”, a obra de 1888 do pintor holandês Vicent Van Gogh que está avaliada em mais de 86,2 milhões de euros.


Este foi o primeiro caso de uma onda de ativismo climático na Europa. A 23 de outubro, na Alemanha, dois ativistas do movimento Letzte Generation (Última Geração) lançaram puré de batata à obra “Os Palheiros” do impressionista francês Claude Monet. Quatro dias mais tarde, 27 de outubro, dois ativistas de Just Stop Oil entraram no Museu de Haia, nos Países Baixos, e um deles colou a sua cabeça ao quadro “Rapariga de brinco de pérola” de Vermeer enquanto o outro discursava sobre as alterações climáticas. Seguiram-se mais tentativas de vandalismo em cidades como Roma e Oslo, e a segurança à volta da obra de Pablo Picasso “A Guernica” vai ser reforçada.



Uma das ativistas que tentou vandalizar o quadro de Monet gritou no museu “As pessoas estão a passar fome, as pessoas estão a congelar, as pessoas estão a morrer. Encontramo-nos numa catástrofe climática. E tudo o que têm medo é de sopa de tomate ou puré de batata num quadro. Sabem do que eu tenho medo? É de que a ciência diga que não seremos capazes de alimentar as nossas famílias em 2050. É preciso atirar puré de batata para um quadro para que vocês oiçam?”


Realmente, porque paramos quando uma obra de arte é atacada? A 19 de outubro, apenas cinco dias após o acontecimento com o quadro de Van Gogh, ativistas e cientistas do grupo Scientist Rebellion ocuparam o Museu da Volkswagen em Wolfsburg, na Alemanha, numa manifestação pelas alterações climáticas. À data que este artigo foi publicado, centenas de ativistas e cientistas do mesmo grupo e da Extinction Rebellion bloquearam aeroportos privados em 13 países, contestando o uso de jatos privados. Para além de atirar comida a obras de arte, a Just Stop Oil já bloqueou estradas e escalou pontes, mas estes eventos não são tão noticiados nem partilhados. Porque nos incomoda tanto quando envolve obras de arte?


Apesar de vivermos numa onde a maioria dos artistas vive em precariedade, onde as empresas automóveis recebem mais investimento do que os pintores, os ativistas que se prendem a um carro obtiveram menos atenção do que o que se colou a um quadro porque nós temos uma ligação emocional à arte muito maior do que um carro.


Mesmo que não estejamos conscientes disto, a arte é considerada sagrada. Estudamo-la na escola, vemos a importância que tem para a identidade de povos e a evolução que ela teve em diferentes épocas. Dela nascem monumentos, marcos que deixam a sua marca na história e cultura de um país, e mesmo as peças que não têm este estatuto são vistas como algo que deve ser preservado, cuidado, insubstituível, como algo delicado que tem um grande valor económico e muito trabalho humano investido, algo feito apenas para ser apreciado - e talvez lembrarem-nos do que é sermos seres humanos.


Os cientistas têm-nos alertado durante décadas sobre as alterações climáticas e têm sido ignorados, apesar da sua mensagem ser fulcral para a nossa sobrevivência. Agora que recorrem à arte, ganham a atenção das pessoas. Tocam no que é insubstituível para falar de algo que é insubstituível à sobrevivência: o nosso planeta. Quer queiramos quer não, a verdade é que estão a ser falados agora e as pessoas estão a parar para os ouvir, a falar deles, e o seu ativismo é noticiado por todo o mundo. Será esta uma forma eficiente de passar a mensagem a uma causa?


Irónico, uma vez que a arte não é nenhuma “estranha” no mundo do ativismo. Ela ainda hoje é muito usada para projetar mensagens de protesto. Por exemplo, recentemente o cantor iraniano Shervin Hajipour, de 25 anos, publicou a música “Baraye”, que significa “por causa de”, que é hoje considerada o hino não oficial dos protestos no Irão.


O filme da Netflix “Don’t Look Up” serve de sátira para quando não ouvimos cientistas. Pergunto-me se os escritores do filme não incluíram um ataque à arte de propósito.

17 visualizações0 comentário

Posts Relacionados

Ver tudo

Comments


bottom of page